quinta-feira, 19 de maio de 2016

Alzheimer

Acordei como se fosse a primeira vez.
Olhei em redor e tudo me pareceu tão estranho e vazio... vazio de sentimentos, de espaço e de memória.
Seria uma autêntica tragédia se um dia acordasse e não me recordasse de ti! O que te dei, o que me deste, o que vivemos e o que vivi sem ti. 
Despertar e imaginar que não te chamo mais de amor ou que um dia tive um, seria como estar numa cama de hospital, a vegetar, à espera da minha hora. Talvez nada sentisse, talvez de nada (mesmo) me lembrasse... talvez.
Contudo, fecharia novamente os olhos na esperança de te encontrar no sonho mais profundo da minha alma e, por mais que o Alzheimer me apagasse a memória, jamais me esqueceria de ti... não há nada mais forte do que um coração puro e sincero, cheio de amor que dei e que recebi.
Podia até não reconhecer a casa onde morasse, as fotografias que visse, os relatos que invocassem à memória seletiva, mas uma coisa é certa, os teus olhos, o perfume da tua pele e cada curva do teu corpo eu jamais deitaria fora da minha cabeça!
O não me lembrar de muitas coisas, ajudaria a atenuar a dor daqueles que partiram e que deixaram saudades... bendito Alzheimer nessas alturas, pensaria eu ou... talvez não pensasse em nada.
Quem sou? Quem são vocês? Onde estou? O que faço aqui? ... Perguntas e mais perguntas!
O chip foi desligado, a vida virou merda e o sentido das coisas já não faz sentido. O silêncio vazio das memórias ocupa o espaço, agora opaco, deixado pela mente. Nada se situa, tudo ficou no esquecimento obrigatório, próprio da doença daqueles que não sabem quem são.
Não estou numa cama de hospital a vegetar... estou de olhos abertos a enfrentar o mundo com a nova dificuldade que este me colocou. Vejo, ouço mas não reajo! Castigo de Deus? Não sei... talvez sim, talvez não! Talvez seja esta a minha missão na Terra. Mas fará sentido? Uma missão da qual não me lembro ou me vou lembrar?!
Não deixei de ser quem sou, mas estou tão diferente que não me reconheço ou... não me lembro!
Aponto tudo certinho num caderno que dei o nome de Livro das Memórias, mas de que me serve se ao ler não me vou recordar de quando ou como foi que aconteceu?! É um pedaço de mim que ali está... e se não houver um pedaço de ti, ficará mais difícil de lembrar... mas sei que sempre estarás. E, no dia em que já nada reconhecer, chamar-te-ei de "Meu amor" e vou-te ver chorar, de alegria, de nostalgia (?), não sei... mas assim que te vir a derramar a água do nosso grande amor pela tua face, terei a certeza de quem és e quanto me fizeste feliz.

Filipe Tiago Araújo, 19.05.2016