domingo, 22 de outubro de 2023

Dias de outono

Lá fora, o lusco-fusco do dia... A hora em que o dia beija a noite e a lua substitui o sol.

Cá dentro? Está mais escuro na alma do que esta luz do candeeiro que, meio que me alumia.

As palavras vão-se soltando assim que pego na caneta... o pensamento flui à velocidade dum relâmpago, ainda que as lágrimas me turbem os olhos. A rapidez na escrita tenta acompanhar a do pensamento.

O coração palpita mais forte que o habitual. Soam os alarmes! Há crise sentimental?! Normalmente, quando escrevo, é a alma que sente uma necessidade incessante de se exprimir. Por vezes, vomita palavras bonitas... Tão belas, quanto tristes.

À medida que se acelera o bater do coração, acelera-se o escuro da noite. Ela, tão solitária como um coração partido!

O silêncio, a fadiga do dia e até da vida com a roldana de pensamentos, têm os condimentos perfeitos para que os olhos se encham de água como quando o mar galga a areia, na madrugada. Esse mar de águas geladas, como um coração desfeito... que ganha metros à terra assim como a solidão ganha quilómetros à alma.

Por fim, os olhos fecham-se. No preciso momento que o dia vem reclamar o seu turno.

O descanso só chega porque o cansaço não lhe dá folga. O travesseiro ainda está molhado do choro... a claridade irradia a escuridão com a sua luz. O sol? Faz calor no coração daquele que um dia aprendeu a amar.

É um novo dia. E a vida assim flui, para o futuro.


Filipe Tiago Araújo, 22.10.2023 

domingo, 30 de julho de 2023

Mares intempestivos

 Tempos de mares agitados... uma tempestade interior que me transtorna a mente, cansa-me o corpo, prende-me as mãos e me amordaça a boca. Os gritos são interiores e silenciosos!

Uma confusão de sentimentos tão comuns mas, ainda assim, tão estranhos quando conjugados ao mesmo tempo.

A superficialidade de quem vive com problemas menores do que aqueles que se debatem para viver tendo tão escasso tempo de vida.

Ir, com o receio de colocar o pé em falso. Ficar, com o medo que seja tarde demais para ficar e assistir de dentro (com visão de quem está de fora!), à monotonia que o tempo nos trouxe.

Querer viver o que já foi vivido ou o amanhã será tão apetecível? ...  Apetecível, talvez... mas cruel.
Pois o meu amanhã, quiçá, não poderá ser vivido por quem tanto se agarra ao ramo frágil da vida.

Os sinais são evidentes, neste mar que bate violentamente nas rochas - mas que ninguém o ouve - as ondas choram o estrondo com que chocam na parede.

Talvez esteja na hora de alguém ouvir o grito que não se faz ouvir! Talvez a confusão passe... talvez.

Por vezes, "o regresso a casa" pode ser o porto mais seguro mas também o mais doloroso. 

Que a tempestade que assola este mar, traga paz ao corpo e à mente... e que a vida seja só isso mesmo, viver e ser vivida.

Filipe Tiago Araújo, 30.07.2023

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Verdes Anos

 Ao som da guitarra de Carlos Paredes, nesses Verdes Anos, fecho os olhos e sinto o cheiro a casa, o sabor das tripas à moda do Porto, o barulho do metro ao chegar ao cais, o burburinho das pessoas nesse vai-e-vem da azáfama quotidiana... Sinto o Porto como julgava já ter sentido.

Perco-me no Bolhão, nas suas gentes, na peculiar pronúncia que lhes dá orgulho, fibra e coração. Desço, facilmente, à Ribeira e a brisa do Douro traz-me ao pensamento o mar, o sol, a praia. Olho para a ponte D. Luiz I como se fosse a primeira vez, nesse misto de nostalgia e saudade... O céu está azul, dá cor à cidade, vivacidade e luz! Essa luz que me ilumina por dentro para disfarçar o cinzento e frio que me vai na alma ao estar tão longe de casa.

Casa, essa, que é o Porto. A minha cidade, as minhas raízes, o meu Porto Sentido e de abrigo...

Neste meu sonho acordado de "Verdes Anos", à boleia de Carlos Paredes, subo a Alameda do Dragão, é dia de jogo! A camisola azul e branca vestida, cachecol envolto no pescoço, com cânticos ao Campeão... joga o FC Porto.

A empolgação, a ânsia, o nervoso miudinho... é dia de jogo grande, no Estádio do Dragão!

A tarde converte-se em noite, o dia foi longo e passeei pelas ruas da minha cidade, mesmo sem sair de onde estou. O meu pedaço de Portugal, que trouxe comigo, que vem nas noites frias e tristes onde o sono custa a chegar nessa terra lá ao longe.

Neste pedaço de tempo, intemporal, a guitarra portuguesa levou-me até ao meu cantinho, meu aconchego, à minha vida... de cor, de sentido, de felicidade e de paz.

Hoje, sigo como o fado, nostálgico e sofrido, com muitas saudades do cheiro da minha cidade, do meu país, das minhas gentes... de Portugal.

Frio como o vento, cinzento como o céu dessa terra bem longe, escuro como os dias de inverno e inerte como o tempo que não passa, dessa terra lá ao longe, aqui estou eu... com saudades de casa.

"... e enquanto não há amanhã, ilumina-me!"



Filipe Tiago Araújo, 23.01.2023 

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Tic-Tac! Tic-tac!

 Não há rumo... por dentro a bússola não indica o caminho. O desnorte, a incerteza, a loucura por um caminho que tinha o seu trilho marcado e que, repentinamente, se desvaneceu na escuridão dum interior profundo.

O tempo dita o compasso dos passos. Não espera, é temível e terrível... Tic-tac! Tic-tac! Ditam os ponteiros de um mundo parado que está sempre a girar... é o contraditório da tua vida com a vida real.

O tempo urge... os cabelos mudam a cor e lembram que já falta pouco para o fim. Brancos, como a Luz da passagem ao tempo que parou.

Estou num impasse de dois mundos, reais, mas com dois timming's opostos. A vida segue, veloz, num dia que tem 24 horas... O tempo do meu espaço parou no relógio. Estou gravitacional! Sem capacete e fato, a navegar pelo vazio, sem reação, sem energia, sem "oxigénio" de ideias.

Como o Super-Homem, com a Kriptonite... Sansão sem cabelo e como Ulisses contra Golias!

Preciso de "um pequeno passo para o Homem...", que me faça descer à Terra, tocar com os pés no chão, sentir o bater forte do coração, ativar os ponteiros compassados do meu relógio, encontrar a minha bússola que me aponte o norte e que alinhe os meus tempos ao mesmo fuso horário e velocidade.


Filipe Tiago Araújo, 08.08.2022

segunda-feira, 21 de março de 2022

Slava Ukraini!

 Tal como a imagem de uma televisão antiga, a preto e branco, num mundo distante e surreal de cinzento e negro, destaca-se o teu céu azul e os teus campos amarelos.

São as cores da tua bandeira, da tua pátria amada que te querem tirar aos poucos!

Os buracos no teu peito, que és obrigada a sair da tua terra (que te pertence!), com os teus filhos pela mão e sem nada na bagagem... são os mesmos buracos que se abrem incessantemente no solo de cada cidade do teu país.

O mundo está com os olhos postos em ti. Acolhe as tuas gentes, cuida-as e recebe-as com um abraço... Esse mesmo abraço com que deixaram os seus homens e filhos mais velhos nas fronteiras ocidentais, para expulsar o inimigo.

Estão a tirar-te o corpo mas jamais te levarão a alma!

O padeiro, o estudante, o advogado, o banqueiro, o merceeiro, o ator, o desempregado e até a bela e sofrida imagem do velhinho de 80 anos com a sua mala na mão para lutar pelos netos, são todos a tua arma. A tua resiliência.

Tens um Presidente com a tua grandeza! É a imagem daquilo que és e do que virás a ser. #somostodoszelensky!

Não te preocupes com o menino que atravessou a fronteira sozinho, com um número de telefone escrito na mão... Ele está a salvo e com a família.

Deixa que os intrusos te rebentem a casa... Uma casa caiu, outra se reerguerá no seu lugar.

Ouves as batidas do coração? São os passos dos teus soldados e das tuas gentes, nas ruas, a fazer recuar o inimigo.

Mesmo que percas as batalhas, já ganhaste a guerra! A tua coragem é inigualável... Num mundo que já não é bélico mas que alguns querem retroceder aos anos 1930 e pouco. O bigode esquisito não está lá, mas a alma transpira extremismo, doença, imperialismo.

Quando terminar o "apocalipse", os teus regressarão ao que lhes pertence... Correrão pelos teus campos amarelos, a olhar o teu céu azul, com as cores da tua bandeira erguida bem alto pelas mãos do futuro.

Slava Ukraini! 

Filipe Tiago Araújo, 21.03.2022 

domingo, 17 de outubro de 2021

São como dois estranhos

 Eles são dois estranhos que se conhecem melhor do que ninguém.

Mas são dois estranhos... Que perderam o toque, o carinho, o olhar brilhante, o afeto, a magia.

São dois estranhos que se conhecem tão bem que não tocam em assuntos que sabem onde vão acabar.

Preferem o silêncio, o agir naturalmente, quando de natural não há nada... Fica a incerteza se ainda se amam?! Fica a dúvida dos porquês! Que será que fiz? Que será que disse? Já não me deseja? Pior! Já não me ama?

São dois estranhos que dividem o mesmo espaço como se fossem amigos...

Sobretudo, são duas pessoas que se conhecem mutuamente de olhos fechados e agem como dois estranhos! 

Hoje, um deles sentiu-se como há muito não se sentira... Sozinho, confuso, indesejado, excluído e inseguro! Vazio, vazio e mais vazio! 

Não sabe como se sente agora, mas sabe que o ama mais do ontem e menos do que amanhã... Mas só tem um remo... E um barco precisa que mais alguém reme. 

Adivinha-se uma noite longa de insónias, a pensar quão estranho duas pessoas que se conhecem podem se estranhar tão profundamente!


Filipe Tiago Araújo, 17.10.2021


sexta-feira, 8 de outubro de 2021

A Batalha

 Os dedos deslizam no teclado do computador assim como são as batidas do coração, no interior do peito como os segundos de uma bomba-relógio.

A ansiedade transporta-me a outra dimensão... é como um vulcão inativo à anos que, de um momento para o outro, - sem aviso - entra em erupção.

Medem-se forças! O medo contra a ansiedade. Na verdade, acaba sempre por não haver um vencedor ou um vencido. O medo apodera-se de mim e catapulta a ansiedade para me fazer sentir inseguro, impreparado, perdido e só. Aquilo que poderia ser uma batalha de emoções, acaba numa aliança para me deixar o coração a 1000 e os pensamentos à velocidade de um relâmpago!

A incerteza, a dúvida e os tantos outros pontos de interrogação que giram à volta da minha cabeça acionam o mecanismo natural de autodefesa. A frieza, a indiferença, a distância e a barreira erguem-se, de novo, como um manto de lava que explode de um vulcão há muito adormecido.

Encontro na escrita a paz que necessito... e como é tão bom regressar a algo que me apraz muito fazer, escrever.


Filipe Tiago Araújo, 08-10-2021