quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Carta aberta aos "iluminados"...

Por estes últimos dias tenho prestado bastante atenção ao que vai rolando nas redes sociais e vejo que os portugueses continuam ao seu nível… bem português.
Indignados com os refugiados, porque o mundo está preocupado com a solução a dar a esta crise HUMANITÁRIA. Fotografias dos sem-abrigo portugueses têm sido a “sensação” da web, assim como os distúrbios criados pelos sírios na pacata ilha grega de Lesbo, onde todos os dias chegam refugiados da guerra na Síria, Iraque e outros países… já para não falar na ameaça denominada de “Estado Islâmico” que, segundo se consta, alguns membros do ISIS estarão a fazer-se passar por refugiados para entrar no Ocidente.
É certo que temos de olhar para dentro do país e resolver os nossos próprios problemas, que são bastantes. Certo também, é não podermos ficar indiferentes a este naufrágio da humanidade, ao desespero de milhares de famílias que fogem da terra natal para sobreviverem a um clima sempre instável, de guerra, fugir a toda uma vida precária à procura de condições dignas que qualquer ser humano deve ter direito.
E os “iluminados” portugueses perguntam: então e os sem-abrigo ou aquelas pessoas que todos os dias fazem filas enormes para terem uma refeição  e todos aqueles que vivem, em Portugal, no limiar da pobreza?
Sim, têm razão e legitimidade para colocarem essa questão, à qual a resposta é muito simples… O estado em que Portugal se encontra atualmente e se vem arrastando desde 1974 é culpa única e exclusivamente nossa! De todos os portugueses, que não lutamos para mudar o país radicalmente, escolhemos sempre os mesmos para colocar no poleiro sabendo que vamos, SEMPRE, sair prejudicados. Somos os mesmos que, com a crise instalada, fugimos para Franças, Luxemburgos, Suiças, Alemanhas e etc., a dar contribuição a quem já a tem em doses industriais e, entretanto, abandonamos as raízes, desertificamos o interior do país, deixamos de ter mão de obra qualificada e a população fica cada vez mais envelhecida. Porquê? Simples… Porque vamos à procura de melhores condições de vida.
E agora uma pergunta muito básica: Estes refugiados vêm fazer o quê? Simples… procurar melhores condições de vida. Com uma atenuante, tentaram mudar o que estava mal no país de origem até ao último segundo, mas como se sabe, a Síria é regida pela ditadura de Bashar Al Assad, que não cede às investidas do povo na tentativa de o derrubar e assim se criou uma guerra à qual ninguém tem que se sujeitar.
Nós abandonamos a nossa pátria porque é o mais fácil. Em vez de endireitarmos o que está SEMPRE mal, viramos as costas olhando para o nosso próprio umbigo e damos rumo à vida, traindo Portugal. Caso os mais superficiais não saibam, os tais “iluminados”, Portugal se fechasse a porta à UE teria meios de subsistência para se aguentar devido à sua vasta área marítima e ao cultivo da terra. Mas somos uns tristes, com complexos de inferioridade e um analfabetismo acima da média aceitável para pleno século XXI… que nos queixamos de tudo e de todos, quando na verdade somos os maiores culpados deste sistema que existe em Portugal, porque somos inertes e buscamos o mais fácil em vez de enfrentarmos as dificuldades e levarmos o país a bom porto.
Que moral têm “os iluminados” de falar sobre refugiados, quando na verdade somos uns borrados?!
Não querem ajudar, não ajudem! Pois certamente aqueles que virão para o nosso país, virão com a missão de trabalhar em trabalhos que nós nos recusamos a fazer… e o país é nosso, não é deles. Pensem bem antes de abordarem com superficialidade questões que são tudo menos isso… superficiais.

E lembrem-se, no final vamos todos parar ao mesmo buraco… e porquê? Porque somos todos de pele e osso. TENHAM VERGONHA E BORREM ESSA CARA COM GUINHA!   

Filipe Tiago Araújo, 09.09.2015

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O naufrágio da Humanidade

Olá. O meu nome é Aylan, muitos até podem nem saber de onde venho ou porque estou aqui a escrever-vos, até porque tenho apenas 3 anos de idade.
Tornei-me famoso, não por ser um modelo bebé em publicidade de televisão…não! Tornei-me famoso porque a minha imagem correu mundo, arrastado – inanimado – pelas leves ondas que se partem na costa da Turquia.
Cheguei ao destino. Por fim, cheguei ao destino!
Mas cheguei em condições que muitos outros chegam, em busca do sonho duma vida melhor – no meu caso em busca de uma vida -, fugindo da morte… ironia do destino… morri quando o pior já estava ultrapassado.
O barco lotado em que eu seguia, mais o meu irmão de 5 anos e os meus queridos pais, naufragou e eu não resisti. A vida não me sorriu, pena seja que nem a mim nem ao meu irmão e mamã. O sonho foi-nos roubado ao alcançar o destino… como acontece com tantos outros.
O meu pai resistiu, homem valente! Salvou-se do mar que “engole” muitos como eu e os meus. Está sozinho agora e, o que poderia ter sido o iniciar duma nova vida, tornou-se no maior pesadelo e tristeza no seu coração. As forças que teve para se desenvencilhar do mar perderam-se quando perdeu toda a sua família… como acontece com tantos outros.
Ouvi dizer, pelo próprio, que vai regressar à Síria, o nosso país, por nada mais fazer sentido, visto que morreu por dentro… tem o coração despedaçado, coitado. Como queria poder abraçá-lo agora… como acontece com tantos outros.
Todos, agora, sabem como me chamo. O meu nome é Aylan, perdi a minha precoce vida a tentar ser feliz… como acontece com tantos outros.
O mundo agora treme ao ver a minha imagem vagabundeando na areia, sem reação… os corações tremem e choram a mesma dor que chora o meu pai e como choram tantos outros.
Contudo, parto em paz. Sensação – sem querer – de dever cumprido. Que agora o mundo vai-se mover para trabalhar e resolver este drama humanitário que fustiga as televisões com notícias diárias de mais um barco que naufragou e onde se perderam muitas vidas.
Sou um pequeno herói. Viverei para sempre nas vossas memórias pelo choque que a minha imagem vos criou… a minha como de tantos outros.
Não se esqueçam, o meu nome é Aylan e servi de cobaia ao mar para abrir os olhos ao mundo.


Filipe Tiago Araújo, 03.09.2015